

Riscos e perigos ainda não compreendidos
Está cada vez mais difícil viver neste sistema hostil à vida humana e quase impossível a conquista política de uma vida feliz. Somente com esclarecimentos honestos e sinceros e com uma leitura de mundo sem ruídos é que poderemos compreender o que se passa para, através de um novo estilo de vida, paralisar ou estancar os efeitos nocivos que o capital tem feito ao ser humano. Lamentavelmente a vida humana está politizada pelo mercado. Difícil escapar desta armadilha e deste fetiche que embriaga os razoáveis e domina os inocentes. Encontrar alternativas para desativar esta máquina financeira que governa a humanidade é o grande desafio para verdadeiras lideranças mundiais.
Pensar outra dimensão de vida e de política parece ser o único horizonte que restou aos poucos esclarecidos de plantão. Assim, advogo aqui que gastemos energia em pensar uma política que vem diferente desta política que está. A vida humana nunca esteve tão desprotegida. Perdem-se direitos, perde-se a natureza. Direitos são passíveis de serem recuperados, mas a natureza agredida e perversamente descuidada, jamais voltará a ser a mesma.
A legalidade hoje, cada vez mais ilegítima, está vazia e não se aplica mais para buscar soluções para a vida humana. Ela joga a favor do mercado e dos mercadores. Para vivermos, ao invés de apenas sobrevivermos [ vida nua ], talvez seja necessário aplicar a tensão do “já sim, mas ainda não”. Significa dizer estar neste mundo do mercado, sem contudo se curvar a ele na confiança [esperança] de que algo diferente poderá acontecer amanhã, parece ser a única saída para continuarmos a viver com integridade. Para escapar desta implacável captura que o mercado exerce sobre nós, precisamos, na medida do possível, torná-lo inválido, fútil e até desnecessário, tal qual os verdadeiros cristãos fizeram ao Império Romano na época ou o que Francisco de Assis fez com a propriedade privada na passagem do século XII para o século XIII. Todavia, esta ação vanguardista nunca foi tarefa fácil e nunca será, pois se exige do seres humanos uma consciência e um ativismo incomum para o exercício da incapturalidade [expressão do filósofo italiano Agamben].
Neste empreendimento da defesa de uma vida digna encontram-se poucas lideranças mundiais. Com exceção de Francisco, o papa diferente, a grande maioria das lideranças mundiais não lidera, curvando-se à economia que mata. O antídoto para este grande mal não é outro senão a busca por um novo fundamento e um novo estila de vida. Somente assim podem-se contagiar mais pessoas para o cuidado da casa de todos. Francisco tentou alertar o mundo quando escreveu de próprio punho a "Laudato Si” [Louvado Sejas], um documento que denuncia o poder soberano e a inoperosidade do sistema para com a vida humana.
Para tornar nossa missão ainda mais difícil, a tecnologia e sua receptividade universal por ‘comuns’ tem sido o maior instrumento da propagação de discursos sedativos difundidos pelas redes sociais que atentam contra a própria vida de homens e mulheres que, por ignorância e ou ingenuidade, ajudam a multiplicar a peste da desumanização que se alastra dia após dia, tal qual servos voluntários. O absurdo disfarçado de verdade é propagado, aceito e compartilhado, fazendo com que homens e mulheres, aparentemente razoáveis, emprestem suas assinaturas à própria deterioração e à destruição do futuro de nossas gerações. Se o “Estado” hoje demonizado por forças ocultas [o absoluto da propriedade privada] não pode mais frear a gula do mercado e a eficiência perversa da tecnologia, penso que esta tarefa possa ser assumida por religiões que ainda guardam certo patrimônio ético que vem ao encontro da dignidade da pessoa humana. É o que restou, afinal, no tempo presente, as religiões emancipatórias ainda mantêm viva a sensibilidade para o que falhou no mundo secular. Para Habermas, filósofo alemão ainda vivo, a religião é uma necessidade para a existência humana, indispensável na vida comum com potencialidade para ‘civilizar’ os modos de organização da sociedade global.