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O Dia de Finados, os Cemitérios e a História.

No Dia de Finados, 2 de novembro, os cemitérios se transformam em cenários do culto à saudade pelos nossos mortos. Nesse dia, boa parte da sociedade guarapuavana se encontra no Cemitério Municipal. Antes mesmo do mês de novembro, já começam os preparativos e os cuidados com as reformas, a limpeza dos túmulos, a colocação de flores para que, no dia 2, tudo esteja na mais perfeita ordem naquele espaço, à espera dos visitantes e familiares que vêm prantear seus mortos. Venda de flores, de velas, entrega de panfletos, de orações impressas. Pessoas rezando junto aos túmulos enfeitados, como que dialogando com os seus mortos. Encontro de gente que não quer abrir mão da lembrança daqueles que, fisicamente, não estão mais aqui. Outras pessoas, aproveitando o feriado, fazem uma visita à cidade e aos túmulos de seus familiares.  


São atitudes coletivas diante da morte. 


Deixando de lado as emoções que o Dia de Finados provoca, ele também oferece ao historiador a possibilidade de “estudos sobre a sensibilidade, sobre o imaginário coletivo que se integram diretamente numa história das representações que é parte integrante da compreensão da história nacional”   


Os cemitérios são lugares de homenagens, de lembranças, de meditação. Aprisionam grande parte da história e da cultura de uma comunidade.

 

É um “lugar de descanso” à espera da ressurreição, costume judaico cristão. 


A Igreja cuidava dos ritos fúnebres, do registro dos óbitos até a Proclamação da República. A partir daí, com a separação entre a Igreja e o Estado, inicia-se o processo de descristianização, de laicização das relações sociais e a secularização da vida cotidiana. Com isso, vão se modificar os costumes com relação aos cemitérios. 


Nos primórdios da Freguesia de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava, quando o catolicismo era a religião oficial do Império, os mortos eram enterrados no pátio da Igreja Matriz e o cemitério ia até a Lagoa das Lágrimas. Mais precisamente, entre as Ruas Visconde de Guarapuava e Marechal Floriano Peixoto.   


A doutrina dos miasmas, isto é, a decomposição das matérias orgânicas e o seu cheiro característicos, justificaram o progressivo afastamento dos cemitérios dos centros das cidades. 


Em Guarapuava, o suprimento de água por meio de poços, o costume de enterrar os mortos diretamente no solo, o aumento da população e consequentemente, dos defuntos, determinaram a necessidade da construção de um novo cemitério, em um local mais alto, identificado por três palmeiras.  As discussões sobre o assunto tiveram início na sessão ordinária da Câmara Municipal de Guarapuava, em 16 de dezembro de 1854. O novo cemitério municipal, foi construído na Rua Professor Becker, num ponto alto como exigia o processo de higienização da cidade. Por falta de recursos, foi mal construído e de área reduzida, segundo registros nas atas da Câmara, não atendendo às necessidades da população. “Recebeu as bênçãos do Cônego Braga e foi dado como fundado em 19 de novembro de 1864”, segundo Sirlene Rodrigues de Oliveira, na sua monografia para obtenção do título de Especialista, em 1998. 


De 1881 a 1890, o Prefeito Zacharias Caetano Coelho do Amaral apresenta, na Prestação de Contas ao Governo Provincial, notícias sobre a localização e construção do cemitério novo e o assentamento de um portão de ferro. Também informa que, mesmo antes de 1881, já haviam ali ocorridos sepultamentos de ossos transladados daquele velho cemitério, no pátio da igreja. 


Desde então, o Cemitério Municipal de Guarapuava sofreu diversas ampliações e modificações e se encontra, atualmente, sem possibilidades de aumento por estar rodeado por construções residenciais e mais recentemente por capelas mortuárias. A falta de espaço fez com que muitas famílias, de menor poder aquisitivo, vendesse o seu terreno no Cemitério Municipal passando a enterrar os seus mortos nos cemitérios dos bairros.  


O ritual de cremação dos mortos, por enquanto só utilizado nas grandes cidades e por pessoas de posses, por certo vai determinar mudanças, num futuro próximo, para as práticas sepulcrais.


Cada vez mais os cemitérios reproduzem a cidade: ruas, jardins, placas indicativas, túmulos individuais e coletivos, a administração, a capela.   
Originalmente, o espaço era dividido em setores distintos. A disposição espacial dos túmulos demonstrava a situação social do indivíduo. À esquerda e atrás da Capela do Visconde, existiam muitos túmulos de crianças apesar do costume de se enterrar os mortos em túmulos das famílias. Os não católicos eram sepultados fora dos muros dos cemitérios. Assim como os negros. Os pobres, ao fundo, do lado direito. Os setores populares com sepulturas planas, bem simples, mal acabadas, distantes das sepulturas luxuosas, com acabamentos em granito e mármore.  


A venda dos terrenos no Cemitério Municipal de Guarapuava, por pessoas de menor posse aos mais ricos, determinou uma indefinição na disposição dos túmulos em alguns setores do cemitério. 


Mas, ainda se observa, com clareza, o setor mais antigo, à direita do portão de entrada, setor mais popular, à direita, ao fundo, perto dos muros. 


O costume de se construir túmulos, mais recentemente, do tipo, prédios pequenos, com 3 a 4 gavetas soprepostas, estão em toda parte. Alguns utilizam materiais menos nobres como azulejos ou lajotas.


Parafraseando Elisabeth Quevedo, nascer, crescer e morrer faz parte da biografia de todo ser humano. A maneira como o ser humano enfrenta a morte pode ser fonte reveladora da atitude do homem perante a vida. Enfrentar a morte e dar um tempo para o luto torna mais fácil o enfrentamento da morte. 


Antigamente, havia uma relação mais íntima entre os vivos e os mortos.  As pessoas eram veladas nas suas próprias casas, no seio da família, em seu leito. Atualmente, coloca-se o morto numa capela, longe do ambiente familiar. Não se usa mais somente roupa preta para representar estar-se de luto. Não se dá tempo para que se trabalhe psicologicamente a morte de um parente. Logo em seguida, as pessoas tem que sair para o trabalho. Limita-se, o luto, a um ritual social, o envio de flores, telegramas e comparecimento aos velórios e missas de sétimo dia. 
A banalização e a desumanização da morte é representada diariamente pelas pessoas que aparecem mortas nas fotografias dos jornais e notícias da televisão como se fossem apenas um corpo, sem relações familiares ou sentimentais.   


O que se escreve sobre as lápides revelam a identidade de cada túmulo, algumas revelações sobre a vida daqueles que nos precederam, o lugar ocupado pelo morto na sua família e na sociedade. Tributo de amor filial, ou paternal, ou fraternal, de família, de amizade, de gratidão, de amor conjugal. Saudades eternas de seu filho, irmão, esposa, mãe. Frases retiradas da Bíblia: Sê fiel até a morte e eu te darei a coroa da vida. Apoc, 2-10.  Frases em latim: Requiescante em pace. Hic Cineres. Ubique nomen. “Casou-se em segundas núpcias em 06 de agosto de 1873. Fallecido em 13 de maio de 1877”. “Rui Cezar M. Lacerda. *24.02.1949 + 21.12.1950. Tudo na vida aos poucos esquece. Menos você Lírio de inocência, cujo perfume se expande junto ao altar do Senhor. Saudades de seus pais e irmã.”. Coloca-se também, a fotografia do defunto. Comumente, o nome, dia do nascimento e da morte.
 

Como lembra Contardo Calligaris, em um artigo “Morte lembra o horror do fim”   acontece que, por sermos indivíduos e, portanto termos horror da morte, somos também sujeitos com pouca tradição, sempre incertos de quem somos, eternamente necessitados de fazer e refazer, pensar e repensar a nossa história”. Com a ajuda dos mortos podemos estudar o nosso passado e, porque não dizer, refletir sobre a vida e o nosso destino derradeiro.


1.  Michel Vovelle em seu livro Ideologias e mentalidades.l
2.  CAROLLO, Cassiana Lacerda. Cemitério Municipal São Francisco de Paula. p.92
3.  Jornal Diário de Guarapuava. 1.º e 2 de novembro de 2007. Pg.07.
4.  Folha de São Paulo, em 2 de novembro de 1995.

O Dia de Finados, os Cemitérios e a História.

Zilma Haick Dalla Vecchia | Publicado: 01/11/2018  |  Editado: 01/11/2018

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